quinta-feira, 4 de junho de 2009

“Os direitos do Homem” - "O homem tem direito em perseguir a sua felicidade."

Em termos médicos, o conceito de “deficiência” pode ter várias aplicações. No entanto, em todas a vertentes encontramos algo em comum: a perda de alguma capacidade. Por “deficiente” entendemos alguém a quem falta algo: capacidade motora, um membro ou mesmo capacidade mental, e isto implica, necessariamente, não a perda de decisão – como em certas situações se pensa – mas a perda de autonomia. Durante a evolução do ser humano, as deficiências foram encaradas de maneiras distintas – umas vezes com maior compreensão do que outras. Anteriormente, devido à falta de conhecimento e ao receio natural do Homem perante o desconhecido, estas pessoas eram vistas com indiferença, desprezo e até mesmo medo. Com o desenvolvimento das tecnologias e da ciência, o Homem aprendeu a lidar com o menos comum da sua espécie, enquanto animal que é, e com pessoas diferentes, enquanto ser humano. Hoje em dia, há cada vez mais consciência de que uma pessoa com uma deficiência não tem de ser tratada de maneira diferente, aliás, muito pelo contrário, havendo cada vez mais ajuda e apoios às famílias que têm de lidar com a deficiência diariamente. Existem cada vez mais instituições de apoio à deficiência em Portugal, e há cada vez mais informação disponível sobre estas, através dos meios de comunicação. Assim, tornam-se acessíveis também a um número cada vez maior de pessoas. Como exemplo deste aspecto, temos o Centro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva (http://www.cdc-hgo.com/ ), uma instituição que tem por fim o acompanhamento da criança desde tenra idade, para ajudar a desenvolver um diagnóstico médico adequado e combater as dificuldades que esta possa vir a enfrentar no futuro. Convém ter em conta que instituições como esta estão a ter cada vez mais apoio do Estado Português e que, pelo mundo fora, a deficiência está a ser vista como algo a apoiar da melhor forma possível.


Um dos problemas que os indivíduos portadores de deficiência podem enfrentar é o desafio de serem pais. “I am Sam” é um filme, no qual nos é apresentado “Sam”, uma personagem com deficiência mental, cuja inteligência é comparável à de uma criança com 7 anos de idade. Ele educa a sua filha desde pequena, tendo esta sido abandonada pela mãe logo à nascença, deixando uma responsabilidade acrescida a “Sam”, cujo nível intelectual não lhe permitia encarregar-se sozinho da educação uma criança. No entanto, com a ajuda de uma vizinha que, na história, faz de babysitter da pequena “Lucy”, este consegue dar-lhe todo o amor, carinho e educação de que ela necessita, pelo menos até certa idade. O mais comovente neste filme é que, mesmo tendo plena consciência de todas as limitações impostas pelo seu problema, “Sam” tenta oferecer à sua filha tudo o que é necessário para que esta tenha um crescimento considerado normal. Assim, apesar de todos os seus problemas, “Sam” cria uma criança extremamente saudável e inteligente. “Lucy” começou a aperceber-se das limitações do pai, quando este a levava à creche ou apenas ao parque para passear e brincar, e os colegas a abordavam, dizendo que ele era deficiente. Como consequência, imbuída de um sentimento de protecção, “Lucy” começa a atrasar-se relativamente à matéria dada nas aulas, recusando-se a aprender, para que o pai não tivesse nenhum sentimento de inferioridade, ou seja, fazia o possível para não ter mais conhecimentos do que ele. Mas, ao aperceber-se dessa situação, “Sam” começa a incentivar a filha, tentando ao máximo estimular a sua aprendizagem. Assim, decide pedir-lhe para ler as histórias que sempre tinha querido ler, o que ao princípio foi recusado. “Lucy” dizia que não conseguia ler aquelas palavras difíceis mas, depois de muita insistência por parte do pai, começou a ler para ele, invertendo-se os papéis. Aqui é levantada uma questão inevitável: a partir de certa altura, quem estava a tomar conta de quem? Esta realidade levou a que os serviços sociais se começassem a aperceber de que a criança recusava a aprendizagem, acabando por a retirar a “Sam”, com a premissa de que a sua relação não era boa para o desenvolvimento da criança, do ponto de vista psicológico, mental e intelectual. “Lucy” foi então retirada ao pai (contra à vontade dos dois), o que provocou um processo judicial por parte de “Sam” para reaver a sua filha. A partir daqui são muitos os momentos que demonstram todo o amor que as personagens sentem um pelo outro, assim como o sofrimento que cada um está a sentir com esta separação. Para recuperar a tutela da filha, “Sam” arranjou um trabalho onde as suas capacidades se encaixassem, de forma a ganhar um pouco mais e poder oferecer um lar melhor para a filha (o que foi proposto pelos serviços sociais). Este é um filme com um final feliz, mas será que na vida real isto poderia acontecer? Como todos sabemos, tal seria muito difícil, devido à incapacidade intelectual do pai. Surge então a questão: será esta a atitude correcta a ter em conta? As respostas seriam muito divergentes… Exemplos de histórias como a narrativa de “I am Sam”, que retratam realidades relacionadas com estes problemas, são cada vez mais numerosos. Numa novela da TVI, “Feitiço de Amor”, duas mulheres lutam pela adopção da mesma criança. Esta tem trissomia 21 e vive numa instituição. Independentemente da qualidade da novela em questão, foque-se o óptimo exemplo que estão a dar - o de adoptar uma criança com deficiência. São crianças que ficam nas instituições por não corresponderem a um “protótipo” desejável. Sejamos realistas, se o processo de adopção de uma criança sem problemas motores e neurológicos já é difícil, o de uma criança com deficiência, mais complicado se torna. É alguém que irá precisar de ajuda permanente e vitalícia: quem adopta tem de estar bem consciente disso. A vinda de uma criança – com ou sem deficiência – muda sempre a vida de quem a adopta. Assim sendo, a quem adopta crianças deficientes, um grande aplauso. Mas entretanto, outra questão se levanta: um casal (ou pessoa individual) de surdos ou cegos deverá ser impedido de adoptar?

Momento do filme "Ray", no qual aprende a tocar piano quando ainda tinha visão.

Destacamos também o filme “Ray” retrata a vida do cantor Ray Charles, que ficou cego aos 7 anos e frequentou uma escola para cegos e surdos. Num episódio da série “Casos arquivados”, há outro exemplo de crianças e jovens numa destas escolas, mas é-nos possível ver essa escola por dentro, como funciona. Não pensando nessa escola como algo ficcionado, o certo é que ensinava àqueles jovens cegos, pormenores práticos úteis para o dia-a-dia, e ainda música, artes e disciplinas comuns, embora com as devidas adaptações, como por exemplo, livros em Braille. E como é a educação em Portugal para os alunos portadores de deficiência? Citemos o caso de uma professora do 1º Ciclo nossa conhecida, que já teve um aluno – na altura com 10 anos – portador de trissomia 21. Embora fosse uma trissomia leve, obviamente precisava sempre de apoio no estudo. Mas esse apoio, segundo a Professora, não era suficiente, dado que a docente de ensino especial vinha à escola poucas horas por semana - 3 horas apenas. Durante o resto do tempo, o aluno estava com a turma inteira, e a atenção de que necessitava não lhe era dada, pois a Professora tinha mais 20 alunos – todos com 9 anos de idade. Deverão os alunos com deficiência estar em escolas especiais? Ou devem ser inseridos na escola pública, desde que tenham uma Professora que lhes dê apoio permanente?
Outra questão importante é a da acessibilidade para o indivíduo portador de deficiência. A “Acessibilidade é um conceito lato que significa a possibilidade de acesso das pessoas com deficiência ao meio edificado público e privado, aos transportes e às tecnologias da informação e da comunicação.” (http://www2.cm-evora.pt/gica/conceito.asp#Acessibilidade).
É um facto que, hoje em dia, são feitos cada vez mais esforços para minimizar as barreiras – físicas e psicológicas – que as pessoas portadoras de deficiência enfrentam. Sejam “Pessoas com mobilidade condicionada – em cadeiras de rodas, incapazes de andar (…) ou com dificuldades sensoriais, tais como as pessoas cegas ou surdas”, confrontam-se “com barreiras ambientais impeditivas de uma participação cívica e integral.” (http://www2.cm-evora.pt/gica/conceito.asp#Acessibilidade). Sendo “a integração social das pessoas com deficiência (…) a materialização, ao nível mais elevado, da Declaração Universal dos Direitos do Homem” (A Saúde e as Pessoas com Deficiência - DOC/APD JANEIRO 2004. Pp. 2), esta nem sempre é uma realidade. Diariamente, existem pessoas que sofrem, não só pela sua invalidez física, mas por todo o transtorno que esta implica, quer a nível social como a nível económico. Relativamente à acessibilidade a edifícios e transportes, um exemplo flagrante é o caso dos deficientes motores que necessitam de cadeira de rodas. Em primeiro lugar, são confrontados com os preços elevados destas que, mesmo no seu modelo mais simples, ultrapassam facilmente o valor de um salário mínimo, indo de 250€ a 1300€. Se o grau de invalidez obrigar a uma cadeira mais sofisticada, os preços disparam para 2000€ podendo alcançar os 8900€. Não faz sentido fazer escolhas de acordo com o dinheiro disponível. Deveria ser privilegiado, nestes casos, o conforto e o bem-estar dos indivíduos, independentemente da sua condição financeira. As cadeiras mais económicas correspondem a modelos sem qualquer aplicação eléctrica, não motorizados, que obrigam o seu utilizador a ter mobilidade e força nos membros superiores para propulsionar o seu movimento. Ou seja, em casos de paraplexia ou de paralisia cerebral, que afecte gravemente os membros superiores e inferiores, não havendo disponibilidade financeira, o indivíduo ficará sempre dependente do auxílio de outros. Só aqueles que usufruírem de uma boa situação financeira poderão adquirir uma das cadeiras de rodas eléctrica. Mas os problemas de locomoção, infelizmente, não acabam aqui. Mesmo podendo recorrer a uma mobilidade autónoma, as nossas ruas, alguns dos edifícios públicos, e até alguns meios de transporte, ainda não apresentam as condições ideais de mobilidade. É verdade que a situação tem vindo a melhorar nos últimos anos com a implementação da nova legislação – “publicação do Dec. Lei 123/97 de 22 de Maio” (A Saúde e as Pessoas com Deficiência - DOC/APD JANEIRO 2004. Pp. 2.). Porém, é ainda comum, depararmo-nos com ruas demasiado estreitas para que caiba uma cadeira de rodas, entradas para edifícios que, embora tenham elevador no interior, possuem ainda degraus que dificultam ou impedem o acesso ao interior, ausência de rampas, inexistência de casas de banho adaptadas. Alguns dos bons exemplos de acessibilidade são o Metro do Porto e os comboios inter-cidades e alfa. Estes, além de rampas para facilitar a entrada, dispõem ainda de lugares apropriados para a colocação das cadeiras de rodas. Podemos também referir o exemplo do Pólo da Foz da Universidade Católica do Porto. Além das rampas e dos elevadores, existem plataformas elevatórias que permitem o acesso a todos os pisos da faculdade. A diminuição das barreiras físicas é um grande passo para que “aspectos como um ambiente físico inacessível, falta de tecnologia de apoio apropriada, atitudes negativas das pessoas em relação à incapacidade, bem como serviços, sistemas e políticas inexistentes ou que dificultam o envolvimento de todas as pessoas com uma condição de saúde em todas as áreas da vida” (http://www2.cm-evora.pt/gica/conceito.asp#“Design Universal”) comecem a ser dissipados. “Garantir a acessibilidade ao meio envolvente, isto é, aos serviços, produtos e equipamentos, é assegurar o exercício de cidadania e de autonomia às pessoas com deficiência.” (http://www2.cm-evora.pt/gica/conceito.asp#Acessibilidade). O importante não é dar extrema relevância ao seu problema e às necessidades que este levanta no dia-a-dia. O dever de todos nós é ajudar a implementar o maior número possível de ferramentas que possam fazer com que o quotidiano das pessoas com este tipo de problemas seja vivido do modo mais comum possível, sem barreiras constantes que lhes dificultem as suas rotinas. Porém, não devemos fazer de conta que a deficiência não existe.
“Se você se relacionar com uma pessoa deficiente como se ela não tivesse uma deficiência, vai estar ignorando uma característica muito importante dela. Dessa forma, você não estará se relacionando com ela, mas com outra pessoa, uma que você inventou, que não é real.” (http://www2.cm-evora.pt/gica/conceito.asp#Como%20lidar%20com%20uma%20pessoa%20com%20deficiência? ).

Alguns links relativos ao tema:

http://portal.ua.pt/nee/documentos/politicas/apd_emprego.htm
http://www.dre.pt/cgi/dr1s.exe?t=id&cap=204&doc=11&v03=droga+&sort=0&submit=Pesquisar

quarta-feira, 29 de abril de 2009

“É disso mesmo que se trata esta indústria de mil milhões de dólares. Beleza interior.” In The Devil Wears Prada



Nos dias que correm, o ideal de beleza é algo com o qual somos praticamente obrigados a conviver todos os dias. Filmes, publicidade, revistas, entre muitos outros meios apresentam constantemente corpos magros e esbeltos. Como todos sabemos, antigamente, a célebre frase “gordura é formosura” traduzia o ideal representado em muitas pinturas onde vemos mulheres com ancas largas e formas arredondadas. Na actualidade, as mulheres intituladas modelos são cada vez mais magras. Um exemplo disso é a recentemente nomeada Miss Austrália (http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=1210336) que veio levantar opiniões contraditórias, devido às suas características - tem 19 anos, mede 1,80m e pesa 49 Kg. A presidente da associação de médicos da Austrália terá mesmo afirmado que "a parte menos saudável disto tudo é que a imagem que está ser mostrada para outras jovens é de que isso é normal, quando claramente não é."
A partir do tema proposto pela telenovela “Yo Soy Betty, La Fea”, iremos abordar os estereótipos de beleza, relacionando-os com o que está presente na publicidade, no filme “Real Women Have Curves” assim como em “The Devil Wears Prada”.
Mesmo havendo variadas versões, todos conhecemos a famosa Ugly Betty, onde o tema da beleza é abordado de uma forma crítica, mas humorística. “Betty La Fea” foi a primeira versão apresentada, sendo esta uma telenovela colombiana, realizada entre 1999 e 2001, que se centra no mundo da moda e nos estereótipos que vêm com esse mundo, onde o ideal de beleza é representado. Betty é a personagem principal desta telenovela que, como o nome indica, vai contra todos os modelos de beleza exigidos pela moda. Mas, mesmo usando roupas extravagantes, óculos de lentes grossas e aparelho nos dentes, características que lhe dão uma aparência peculiar, esta personagem ingressa no mundo da moda, trabalhando numa revista onde todos os outros têm os requisitos de beleza padronizados por esta indústria. Desta forma, Betty não é considerada uma mulher atraente como todas as outras no seu local de trabalho, o que leva a muitos comentários de mau gosto, com os quais esta se depara todos os dias. É disso exemplo, na versão colombiana, o comentário de Marcela, a filha do co-fundador da companhia de moda e noiva do presidente, quando argumenta que um presidente tão prestigiado no mundo da moda não podia ter de maneira alguma uma secretária como Betty. Aliás, o seu currículo só foi tido em conta por não ter a sua fotografia. Mesmo assim, esta é contratada e todos os dias sofre com os insultos e piadas que lhe são dirigidas, não sendo a única a sofrer estes desaforos, pelo que se apoia no seu novo grupo de amigas intituladas “O grupo das Feias”.
Nesta telenovela, podemos aperceber-nos de que nos dias de hoje, muitas pessoas são pressionadas devido ao seu aspecto e aos estereótipos que a sociedade promove. De certa forma, a própria telenovela vai-se rendendo a estes estereótipos que supostamente está a tentar combater de forma a abrir a mente das pessoas, pois no seu final a actriz principal torna-se bonita como todas as outras. Podemos então dizer que, por muito que se tente lutar e mudar as mentes actuais, o que está à nossa volta tende a não permitir essa mudança na totalidade, havendo, no entanto, por vezes quem tente mudar os ideais implementados, como por exemplo através da própria publicidade.
Actualmente, somos bombardeados por imagens que pretendem representar o ideal de beleza, criando a ideia de que todas as mulheres a podem alcançar, bastando para isso usarem/consumirem os produtos publicitados. A indústria dos cosméticos e do vestuário recorre a representações de mulheres jovens, magras, de peito e nádegas preponderantes, de pele sem qualquer defeito e cabelos brilhantes e sedosos. Quem são estes seres cujas proporções e atributos desafiam em geral as leis naturais? Qual o efeito destas representações na sociedade actual?
Não é coincidência os casos de distúrbios alimentares serem hoje cada vez mais numerosos e culminarem em situações cada vez mais extremas. Paralelamente à difusão das imagens acima referidas, aumenta o número de produtos milagrosos que prometem ajudar a mulher a alcançar o objectivo da perfeição utópica. Estas imagens cercam-nos e começam a influenciar-nos desde cedo. Ao ligarmos a televisão, ao passearmos na rua, ao vermos videoclips e até mesmo desenhos animados, o ideal feminino (e não apenas o de beleza física, mas o do próprio comportamento) está sempre presente.
É neste ambiente distorcido que, em 2004, a marca Dove inicia o lançamento da “Campanha pela Beleza Real”. Nesta estratégia publicitária para um creme reafirmante, foram escolhidas “mulheres reais” e não modelos. Esta marca inicia assim uma campanha na defesa de uma beleza real e natural, salientando que deve ser pela valorização das suas diferentes características físicas, que a mulher deve avaliar a sua beleza, e não pela tentativa de aproximar a sua imagem dos arquétipos irrealistas que desfilam nas passerelles. A mensagem dos anúncios principais é a de que as mulheres reais têm curvas, cabelos brancos, sardas, … No âmbito desta campanha a Dove lançou também um site (www.campaignforrealbeauty.com), iniciou um fundo para a auto-estima e uma série de spots publicitários/curtas-metragens que alertam principalmente para os perigos a que as jovens mulheres, desde crianças, estão sujeitas. Os filmes “Evolução” (a criação de uma modelo fotográfica)e Amy (que evidencia a insegurança infligida nas adolescentes) mostram como a nossa visão da realidade pode ser distorcida. “Filhas” e “Sob Pressão”, com o slogan “Fale com ela, antes que a indústria da beleza o faça por si.”, reflectem o espírito desta campanha, que se preocupa também com os efeitos negativos deste género de publicidade nas adolescentes. Além de um site com actividades dirigidas a diferentes faxas etárias, envolve também um conjunto de workshops que pretendem ajudar a construir e proteger a auto-estima feminina. Um estudo (Only Two Percent of Woman Describe Themselves as Beautiful: New Global Study Uncovers Desire for Broader Definition of Beauty.In http://www.campaignforrealbeauty.com/press.asp?section=news&id=110) realizado por esta empresa – cujos resultados foram utilizados para a própria campanha publicitária – apurou, entre outros aspectos, que apenas 2% das mulheres se descreviam a elas próprias como bonitas, 63% concordavam que a sociedade espera que as mulheres melhorem a sua aparência física e 75% desejavam que os media representassem mulheres de atractividade física variada, incluindo idade, forma e tamanho.
Verificamos então que esta marca (fabricante de produtos de beleza) defende o direito das mulheres se preocuparem com o seu aspecto físico, mas sem se auto- destruírem numa corrida pela beleza utópica. Promove antes a auto-apreciação, o gosto pelo seu próprio corpo, pelas suas idiossincrasias físicas, tirando partido dessas mesmas e cuidando de si. A Dove rompe assim com os estereótipos de beleza feminina, provocando os seus consumidores com perguntas como “fat or fab?”, “Grey or Gorgeous” e “Ugly spots or Beauty spots?”, culminando com “Curvy thighs, rounder hips, bigger bums. We couldn’t have wished for better models to test our firming lotion” e “New Dove Firming. As tested on real curves.”. Não nos podemos esquecer de que se trata de uma campanha publicitária cujo objectivo principal é – ainda que integre outros mais nobres – vender o produto. No entanto, é de louvar a mudança de abordagem desta questão: não prometem uma beleza inacessível, mas sim a possibilidade de realçar o que cada mulher tem de melhor.
Ainda no campo publicitário, há outro uso da figura feminina que ultrapassa todos os conceitos de respeito pela mulher. Referimo-nos à utilização da figura da mulher como objecto de marketing associada a produtos que nem sequer são dirigidos à mulher enquanto consumidora. Pelo contrário, nestas situações assistimos à exploração da imagem feminina, na maioria das vezes transmitida como objecto sexual para atrair o sexo oposto para os produtos publicitados. Deparamo-nos assim com imagens de mulheres em poses provocatórias envolvendo bebidas alcoólicas, carros ou perfumes para homem. O que poderá significar tudo isto? A permanência de uma tendência machista da sociedade em que vivemos? Ou uma tendência para a desumanização? Segundo Jean Kilbourne, “transformar um ser humano numa coisa é quase sempre o primeiro passo para justificar violência contra essa pessoa.” “Claramente, a construção da masculinidade envolve a (…) difamação das mulheres como objectos sexuais, mantendo a superioridade sexual masculina.” (Hood, 1995. In http://www.youtube.com/watch?v=WgGiB-o84sk) Esta “divisão do mundo no reino simbólico de cultura masculina e o reino da doméstica feminina deixa a mulher como intelectualmente inferior.” (In http://www.youtube.com/watch?v=WgGiB-o84sk) No entanto, esta tendência para manter a mulher associada a determinadas actividades domésticas ou à maternidade está hoje a mudar, aparecendo já alguns anúncios em que esses papéis são ocupados por homens, acompanhando a evolução da própria sociedade. Todavia, a beleza utópica está sempre presente, agora não só na figura feminina, mas também na masculina.
Outro exemplo de negação do ideal de beleza que nos é imposto diariamente, através das mais variadas formas, é o filme “Real Women Have Curves”. Este filme, protagonizado por America Ferrera - que, curiosamente, também tem o papel principal na versão americana da série “Betty Feia” -, fala-nos da vida de Ana, uma jovem latino-americana que, ao acabar o ensino secundário, luta contra o modelo de mulher imposto pela sua mãe, Carmen, segundo o qual “está na idade de trabalhar, casar e ter filhos”. Assim, Ana acaba por ajudar a irmã na sua fábrica têxtil e quase desiste do seu sonho de seguir os estudos. No entanto, devido ao apoio do seu professor e do relacionamento que tem com um colega de escola, Ana percebe que não se pode dar por vencida. Assim, mesmo quando é chamada à atenção devido ao seu peso e alertada de que este não servirá para “atrair” um marido, defende que a sua aparência e o estereótipo de que é alvo não demonstra de todo quem é.
Este filme evidencia uma mentalidade fechada e conservadora, que se torna problemática, mesmo nos nossos dias. De facto, durante o filme podemos ver o ideal de beleza que é imposto por Carmen. Quando Ana se revela contra a sua mãe dentro da fábrica e tira a roupa, seguida por Estella, sua irmã, e pelas suas costureiras, Carmen recusa-se a segui-las e acusa-as de “não terem vergonha”. Mas, de facto, vergonha de quê? De terem excesso de peso? De se mostrarem como são?
A ideia de beleza não como algo superficial mas como algo psicológico é acentuada por Jimmy, o colega de escola com quem Ana tem um relacionamento amoroso. Este diz-lhe que é “bonita independentemente do peso que tem e que este faz parte dela como um todo: como pessoa”.
Ao longo do filme, podemos fazer um paralelismo entre a rebeldia de Ana contra os estereótipos de que é alvo, aceitando o seu peso como algo natural. Por exemplo, quando a sua irmã percebe que Ana é capaz de ir além do que esta alguma vez foi, muda a opinião de que “nunca irá caber num vestido feito por ela” e faz-lhe um como forma de absolvição. Um outro exemplo é a atitude que Ana toma aquando da advertência de Carmen, num café: independentemente de a mãe a proibir, Ana dá uma dentada no pudim flan que esta comia. Estes pormenores do filme dão uma riqueza singular ao mesmo e, embora o seu final seja um tanto forçado no que conta ao típico final feliz de que todos estavam à espera desde o início – o que o torna um pouco previsível -, somos levados a sentirmo-nos orgulhosos em saber que Ana conseguiu ir mais longe e que, contra tudo e todos, a aparência nada demonstra do que realmente somos.
Infelizmente, hoje em dia, damos demasiada importância à aparência e deixamos de gostar de nós próprios por aquilo que somos. Gostamos daquilo que vemos como beleza idealizada e, muitas vezes, manipulada, quando o que realmente importa são as pessoas, enquanto um todo constituído pela aparência e pelo interior, em que este tem uma maior relevância para com quem lidamos diariamente. Infelizmente, devido à constante abordagem da publicidade e dos estereótipos de beleza, tendemos a esquecer a parte de nós que é mais importante.
“Um milhão de raparigas matava por esse trabalho”. “Mas eu não sou uma delas” é o que diz a personagem Andy Sachs no filme “The Devil Wears Prada”, de David Frankel. Tal como Betty, entrou no universo da moda sem ter nenhuma noção do que ele é. Andy adaptou-se lentamente e com esforço, e no fim, despede-se por se estar a tornar numa das “clakers”, as raparigas de tacão alto da revista em que trabalhava.
A obsessão das pessoas que trabalham no mundo da moda com seu peso está bem presente. As primeiras imagens que vemos são de mulheres a pesarem o pequeno-almoço. A primeira assistente da chefe da revista, está a fazer uma dieta que consiste em não comer e quando está quase a desmaiar, come um quadrado de queijo. Esta diz que para atingir o peso ideal “Só lhe falta uma complicação intestinal”.
Ao olharmos para Andy, vemos uma mulher com peso normal, mas para a moda ela é considerada praticamente obesa. Aliás, neste mundo “(...) o 2 tornou-se o novo 4 (...) e o 6 é o novo 14”. Os estereótipos da moda assim o exigem: para se ser bela, tem de se ser magra, sendo exemplo disso o caso referido no início deste post, a nova Miss Austrália. Mas, embora se pense o contrário, se perguntarmos a alguém do sexo masculino se o seu ideal é ou não o destas mulheres magras, se as acham ou não atraentes, veremos que as respostas não se encaixam neste “ideal” que a maioria das mulheres acha ser o desejável.
Como referido inicialmente, há muitos anos atrás, o ideal de beleza era o da mulher “cheiinha”. Será que esse conceito poderá regressar? Algo que pudéssemos denominar como o “ideal de uma beleza natural”. São de louvar as tentativas de mudança que estão a surgir.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Discriminação racial


Nesta fotografia de Jeff Wall, Mimic, tirada em 1982, vemos a recriação de um episódio de discriminação presenciado pelo autor, em Vancouver. O artista é conhecido por retratar situações que, apesar de serem encenadas, parecem naturais e espontâneas.
Nesta composição grupal, um americano faz um gesto rude ao asiático que passa ao seu lado. A indiferença deste em relação à discriminação de que é alvo, pode dever-se à recorrência de situações como esta, mas também ao medo de represálias físicas, caso reagisse. A companheira do agressor mostra-se indiferente aos dois homens, ignorando ambos, e o acto em si.
Mas por quê esta atitude de discriminação? Para os americanos, um asiático com uma boa situação económica, social e laboral, é uma afronta. Consideram que sendo estes, estrangeiros, e de outra raça, não têm direito a um padrão elevado de qualidade de vida.
Há vários exemplos de actos de descriminação racial contra asiáticos, na América. Em 1882 (cem anos antes desta fotografia ser tirada), o “Acto de Exclusão Chinesa” consistiu numa descriminação específica contra os chineses imigrantes, chegando-se ao ponto de a América os proibir de entrar nas suas fronteiras. Outro acto de puro racismo foi o aprisionamento injustificado de muitos japoneses-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, somente pelas suas raízes. A própria justiça dentro dos tribunais era negada tanto a chineses como a japoneses imigrantes. Durante muito tempo, tiveram mesmo de reivindicar os seus direitos de forma a poderem ter uma fonte de rendimento.
Apesar de estes incidentes terem ocorrido há bastante tempo, e com a integração dos asiáticos na sociedade americana, estas atitudes continuam a ocorrer nos dias de hoje. Seria de esperar que, uma vez que os asiáticos se conseguissem integrar na sociedade, a aceitação seria algo em crescimento, diminuindo assim os actos de racismo. Mas, na realidade, estes crimes aumentaram, ocorrendo hoje em dia vários actos de desprezo, indiferença e violência extrema, de que é exemplo o assassinato de Vincent Chin (1982). Este foi morto por Ronald Ebens e Michael Nitz, que o espancaram até à morte esmagando-lhe o crânio através de repetidas tacadas dadas com um taco de basebol. Justificaram-se, acusando-o a ele e a todos os japoneses pela recessão que na altura se fazia sentir; disseram que se tratava de um dos culpados por terem perdido o emprego. É de referir que Vincent Chin era chinês, embora o tivessem culpado como sendo de raça japonesa, o que mostra o racismo contra os asiáticos em geral.
Mas, apesar de hoje nos sentirmos revoltados com este caso de violência, na altura este traduziu o racismo extremado, na forma como os criminosos foram julgados. Por um crime de que resultou uma morte, estes dois indivíduos apenas foram condenados a dois anos de liberdade condicional e uma multa de $3,700, tendo sido sentenciado como um assassinato acidental e não como um assassinato em segundo grau (matar alguém intencionalmente, mas sem premeditação).
Actos destes acontecem em todos os cantos do mundo, mostrando a indiferença perante a injustiça tantas vezes intrínseca nas sociedades.
Ao analisarmos estes casos de discriminação racial nos E.U.A., devemos ter em conta que estes exemplos se intensificam na periferia das grandes cidades. Aí, os imigrantes recém-chegados ao país tendem a refugiar-se em comunidades mais ou menos fechadas. O que é uma tentativa de se proteger face ao desconhecido acaba por se tornar num factor de isolamento. Estas comunidades geram comportamentos de exclusão entre grupos de etnias diferentes e em relação à cultura dominante - a do branco americano. É frequente registarem-se conflitos entre grupos minoritários, que revelam também ausência de tolerância perante culturas diferentes da sua e da do país que os acolhe, sendo ao mesmo tempo alvo e origem de conflitos.
Presenciamos várias atitudes racistas que se manifestam, nomeadamente, no ambiente escolar. Com a entrada no sistema de ensino, os imigrantes ou filhos destes, enfrentam o desafio da integração social. Muitas vezes, esta situação torna-se sinónimo de um primeiro contacto com as diferentes formas de exclusão. Se até aí, as crianças ou adolescentes apenas sentiram as pressões da discriminação através do que acontecia com os pais ou familiares, é ao entrarem para a escola que enfrentam essa realidade por si mesmos.
É alarmante como os casos de alcunhas insultuosas ou até mesmo de ameaças físicas estão presentes, não só no ensino universitário, mas também nos básico e secundário. As consequências destas acções são determinantes para o desenvolvimento psicológico e intelectual dos jovens, vítimas de tais agressões. O peso de ser apelidado de “Jap” ou abordado com frases como “Hurry up, you dumb Ching!” irá deixar diferentes marcas nos indivíduos, podendo causar situações de isolamento, que podem evoluir para casos extremos de depressão, chegando até ao suicídio.
Esta descriminação é disseminada nos mais variados meios, contribuindo para a deformação das mentalidades. Um dos mais esquecidos, visto ser encarado como algo “inocente” é toda a indústria da animação.
Esta, por volta das décadas de 30 e 40 do século XX, tinha um caris intrinsecamente propagandístico. Devido à segunda guerra mundial, uma intensa propaganda política conferia à animação um carácter racista, carregado com mensagens subliminares. A própria Disney, caracterizada pelo seu realismo estético e pela personalidade das personagens, é acusada de racismo, precisamente pelos estereótipos que estas representam. No entanto, os cartoons mais racistas são geralmente direccionados para a raça negra, como se pode ver pelo filme “Coal Black and De Seben Dwarfs”. Primam pelo exagero e pelo cómico, escondendo assim a descriminação directa e fazendo com que essas “gags” tenham um carácter aparentemente inofensivo. Neste pequeno filme de sátira à Branca de Neve da Disney, podemos ver como o esteriótipo da mulher negra é representado e como esta era vista pela sociedade da época - um mero objecto sexual. Este tipo de animação também fazia com que, em tempo de crise da guerra, o cómico não tivesse aparentemente qualquer tipo de mensagem para além do que era mostrado visualmente.
Durante este período, a animação teve um papel importantíssimo para a imposição dos objectivos e mentalidade dos diferentes países, independentemente do que estava “certo” ou “errado”. Assim, temos como exemplo, a reacção aos japoneses em muitos “cartoons”, através do seu estereótipo. Em oposição, por parte do Japão, temos a reacção ao típico filme da Disney, como se pode ver por alguns filmes do género de animação, conhecido como Anime.
As sementes do racismo são então transmitidas de forma subtil, através de produtos tão facilmente assimilados como o cinema de animação. Conseguimos assim entender de que forma atitudes racistas, como as descritas anteriormente, são possíveis e aceites como banais por uma sociedade. Daí que seja “normal” a indiferença espelhada no rosto da personagem feminina da foto, assim como a resignação do asiático perante a atitude irracional do americano.